Vida Ciclica
Fharat Chiara
Devia ser umas quatro horas. Liguei o chuveiro e tirei minha roupa bem devagar para que a água tivesse tempo de esquentar. Entrei de uma só vez e vi a tinta preta dos meus cabelos escorrendo pelo corpo. O mundo é mesmo uma merda pensei... Eu não queria tomar banho, só ficar ali. Sentei no chão e a água começou a bater absurdamente quente nos meus joelhos, deixando-os vermelhos. Masoquista. Como as músicas que eu ouvia para ficar mais triste. Como roer as unhas até sair sangue. Unhas. Gosto delas carmim como estão agora, porque pareço mais puta, logo mais despudorada, confiante, moderna e feliz. As putas devem ser felizes. Desesperada. Procurei algum resquício de ilusão. Gosto de me iludir, de sentir-me falsamente protegida por alguém que pouco se importa com a minha existência. Existência. Se eu tivesse uma banheira, cortaria meus pulsos e morreria afogada na água vermelha, como naquele filme. Então comecei a rir sem controle, porque na película (filmes ficam mais bonitos se chamados de películas) a menina suicidava-se ao som de alguma coisa da Mariah Carey. Ou seria Whitney Huston? Estúpido, Not for her. Eu quero morrer com estilo. Trilha sonora para minha morte poética? Nana Caymmi. Então pensei nas manchetes dos jornais baratos: Mulher desiludida corta os pulsos em uma banheira ouvindo Nana Caymmi. Precisava de um papel para escrever um bilhete para alguém. E não podia ser um bilhete qualquer, mas sim, um como aquele do Almodóvar: 'espero que nunca me entenda, porque se me compreenderes, estarás tão desesperado quanto eu'. Alguma coisa assim, não me lembro direito. E tem aquela frase tão batida, Ne me quitte pas e outras frases bonitas e tão batidas. Meus joelhos estavam ardendo. Desliguei o chuveiro e sai. Não tenho uma banheira.
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